Monday, April 16, 2012

Sobre o #OcupeEstelita



Quando a indignação ainda começava, vi através do Facebook, Youtube e alguns mailing lists reservados, que os recifenses começavam a se organizar para fazer uma coisa que pouca gente faz e muito menos gente escuta: dizer o que pensam! Eu, bem de longe, Berlim, Alemanha, essa covarde que graças a um passaporte italiano provindo do pai, teve a oportunidade de escolher facilmente, viver num país onde não se necessita tantas guerras diárias para se viver uma vida minimamente digna, enchi meu peito de orgulho e esperança, ao ver uma jovem promotora recifense que na audiência pública falou coisas muito pertinentes e tudo dentro do que diz a tão ignorada "lei".

Vi professores e arquitetos se pronunciando, usando parâmetros de cidades grandes de países super desenvolvidos como exemplo para a discussão. Vi jornalistas e estudantes de jornalismo gastarem o seu tempo (que podia ser usado para coisas mais egoístas e prazerosas como a maioria faz), lendo, pesquisando e escrevendo textos para esclarecerem os menos informados sobre esse movimento que pede somente uma cidade boa de viver não só para eles mas para todos, agora e no futuro.

Vi gente duvidar que essas vozes seriam ouvidas, por exemplo pelo Jornal do Comércio, do nosso querido José Paes Mendonça, alguém nada interessado na mensagem dessas vozes, e que no final, cedeu a força destas e publicou algo respeito. Vi gente se preocupando em fazer uma manifestação pacífica, limpa, com coleta seletiva para reciclagem, com meios de transporte auto sustentáveis, atividades para crianças. Tudo a ver com a proposta. É disto que a gente tá falando! Vi os artistas, designers, fotógrafos, performers e a criatividade dos cidadãos dessa cidade, que como sempre, realizaram um espetáculo bonito no domingo 15 lá no Cais. Apesar de terem feito bem o seu trabalho, não me surpreenderam porque conheço o potencial desse pessoal de longa data e eu já sabia que seria assim.

Mas me surpreende os comentários e as piadinhas que li no Facebook e Twitter contra esse movimento. Eu fico curiosa: o que será que incomoda esse pessoal, dentro de uma proposta que só pede respeito aos cidadãos, mais estudo sobre a cidade enquanto espaço urbano e sobre as soluções dos problemas que todos nós vivemos, ricos e pobres, como o trânsito e a violência?

Esse pessoal por acaso não é aquele mesmo pessoal que viaja para a Europa e acha lindo passear na rua (em espaços urbanos como o Estelita) e tirar foto pra enviar pelo Instagram com filtro de polaroid pra família? Eu me pergunto se tem alguma foto na frente de um portaria de um prédio com um porteiro no álbum "Viagem à Europa" do flicker deles. Minha gente, essa luta é pra vocês também!

Dá pra perder o capítulo da novela de hoje e gastar um tempinho lendo as matérias, ver os vídeos e talvez conversar com alguém a respeito pra saber que o buraco é muito mais embaixo? Que essa "festinha" lá no Estelita é só uma forma de fazer esse tipo de gente como você, pelo menos, chegar a ter consciência do que tá acontecendo? Que tem muito mais backstage do que tu imagina? Parece que funcionou né? Agora vamos lá, hora de partir para a segunda etapa: se informar melhor. E se chegar no terceiro estágio, o de participar, aí ganha pontos Bom Clube da vida real.

E teve uma lá que critica o fato dos manifestantes terem IPhones e Instagram! Marrenada! Não dá pra ser mais superficial não minha filha? Como é que, diante de um problema tão mais importante, a única coisa que você observa é isso?? É de cair o queixo. Querida, os hippies foram os revolucionários dos anos 70. Isso foi há 40 anos atrás! Dá pra desimpregnar dessa paranóia? - Mas já que você tocou no assunto, btw, foi por causa desses hippies nojentos que tu pode dar uma com teu namorado antes de casar sem ninguém dizer nada viu? Essa coisa de menosprezar hippie, vou te dizer, tá fora de moda já...

Falando em Moda, agora tá super in (e eu amo muito isso) essas pessoas que você chama de hippies terem IPhones, Smartphones, Highspeed internet, títulos bem adquiridos nas melhores universidades, etc etc. Tudinho! Se acostuma com isso que não tem mais volta não viu?

Daqui pra frente é assim. Graças a internet e ascensão de algumas camadas da sociedade, acabou-se o tempo em que os donos do dinheiro eram os únicos donos da informação. Acabou o tempo quando todo mundo, como aquela publicitária lá, tinha o rabo preso pra "pagar as contas". E eu ainda sonho que muito em breve nos uniremos a rafaméia (como você diria e eu nem sei como se escreve) dos morros e ilhas do Recife, que hoje não têm tempo/espírito de ir no Estelita porque o dia a dia é muito cheio de problemas básicos. Mas ainda sim, tem dos que vão viu? Esses bravos guerreiros, a rafaméia, com sua vida difícil, sem IPhone, sem highspedd internet, tá fazendo um monte de coisa. E faz é tempo! Se você saísse do seu prédio, do seu carro e do seu shopping você poderia até ver com o seus próprios olhos - perdão pelo plonasmo inevitável.

Agora não tem mais volta, a Moura Dubeaux e Cia pode até construir dez mil espigões e fuder ainda mais a mobilidade, o clima e a paisagem dessa cidade, mas esse pessoal que você chama de hippie de butique vai se tornar cada vez maior e mais poderoso. E com você, sabe o que vai acontecer? Só coisa boa. Você vai ser uma velhinha feliz e seus filhos vão ter uma cidade melhor, menos trânsito, menos poluição e menos violência. Já pensou que legal? Aí quando chegar nesse ponto a gente monta uma empreiteira e derruba esses prédios todos só pra sentar e ver o nascer do sol de um lugar que não seja o terraço de um ricaço.

Saturday, April 07, 2012

Coisas que eu não entendo desde um ponto de vista de nós, os ricos.




Que miséria existe é um fato e todo mundo (seja solidário ou não) sabe, né não? Até os que acham que as pessoas que vivem nessa miséria a merecem. Até os que inclusive acham que estes indivíduos são um tipo de ser humano inferior e não são capazes de serem melhores porque está "no sangue" deles. Todos sabem que a pobreza e a miséria existem.

Eu posso também imaginar que esse pessoal, que pensa que os pobres e os miseráveis merecem a sua pobreza e a sua miséria, não entende muito as origens destas porque nunca se proporam a investigar, ou quando se falou sobre política, história do Brasil e do mundo na escola eles tavam muito ocupados com os dramas da modernidade... Desde que nasceram o país é assim e nada se pode fazer. Posso imaginar bem também, porque infelizmente conheço gente dessa estirpe, que nenhum deles procurou ler a respeito em livros extra curriculares. Sei que nenhum deles lêem publicações isentas, já que essas, quase não existem, especialmente em Recife. E sei, que em pouquíssimos casos, essas pessoas procuraram se misturar ou escutar a esses pobres e miseráveis, mesmo quando eles trabalham na suas casas aquelas 8h por dia que constam no contrato - quando são somente 8 horas e quando existe algum contrato!

Eu imagino que muitos desses, que pensam que os pobres e miseráveis merecem a pobreza e a miséria, viajaram um pouco pelo mundo. Porque esse pessoal, em geral, tem dinheiro. E viajar é uma coisa que a pessoa faz quando se tem dinheiro. Mesmo essas pessoas, que ao meu ver, possuem lacunas gravíssimas no seu repertório de informação sobre o mundo, especialmente quando estas vivem numa cidade como Recife, onde essas informações são dados gritantes do dia a dia de todos, todas elas são providas de um cerébro que pensa. Muitas delas, dentro do seu contexto, são pessoas razoáveis e inteligentes. Muitas delas falam vários idiomas, têm títulos de universidades renomadas dentro e fora do país. Muitas já experimentaram a delícia que é pegar um metrô ou de estacionar o carro tarde da noite sem sentir medo, de andar na rua, alguns até se atreveram em usar a bicicleta como meio de transporte! Muitos deles desfrutaram e conhecem essa sensação. Muitos não voltam nunca pro Brasil porque preferem viver nessa paz e eu entendo isso.

Esse pessoal provavelmente notou que a diferença básica entre esses países onde se pode andar na rua sem medo e o Brasil é que nas cidades brasileiras, além deles, que têm seguro de saúde, carro do ano, segurança na portaria, cerca elétrica, empregada na cozinha e iPod no bolso, existem uma quantidade enorme de gente pobre e miserável que vive e sustenta 4 filhos e 1 neto o mês inteiro com o dinheiro que eles usam numa noitada. Todo mundo sabe que tem gente que nem um salário tem. Todo mundo sabe o valor do salário mínimo. Todo mundo sabe que a maioria dessas pessoas pobres e miseráveis não têm o mínimo para garantir o não desespero no dia a dia: saúde, educação, moradia digna, direitos básicos, etc.

Um último ponto e depois eu concluo:

Ninguém, nem os que a sofrem passivamente ou ativamente, gosta da violência. Mas estamos aqui, analisando o ponto de vista dos ricos: ninguém gosta de andar pelo mundo com medo de ter o carro, o laptop, o relógio, o iPhone roubado né? Ou pior, ser sequestrado, violentado fisicamente, as vezes com armas de fogo. Muitos estão até habituados a essa vida absurda entre grades, câmeras e seguranças, e nem se lembra que a vida foi e é possível sem essa parafernália. Mas ninguém realmente gosta dessa sentimento de inseguridade para sair de casa e conviver com o porteiro, a empregada, o homem do coco, o guardador de carro, etc.

Pois é, a coisa que eu não entendo é a seguinte:

Supondo que esse pessoal, tão chique, tão viajado, tão cheio de títulos, não estejam nem aí pra o destino e a origem dos que infelizmente não tiveram a mesma sorte e são pobres e miseráveis. E que achem mesmo que eles merecem a posição que ocupam nesta sociedade. Mesmo assim, nessa incrivelmente triste mas real hipótese: será que ninguém chegou a desconfiar que talvez essa diferença entre eles e os pobres e miseráveis é um motivo importante dessa violência toda entre os indivíduos da sociedade brasileira? Será que nenhum deles, nem que seja por uma razão puramente egoísta de viver a própria vida com um pouco mais de paz, pensou nisso? E nenhum deles está disposto a, pelo menos, concordar com políticas mínimas para amenizar esse problema?

Pronto. É isso que eu não entendo.

"Quais políticas? Como fazer?" - questionariam os ricos mais bem intencionados. Existem várias outras coisas que valem a pena discutir a partir daqui. Como por exemplo, a outra "modalidade" de violência sofrida, neste caso, por essas pessoas pobres e miseráveis, provinda de representantes institucionalizados da sociedade. Esses são assuntos importantes e inevitáveis, mas por enquanto eu vou ter que pedir ajuda aos universitários, licença a vocês leitores e retirar-me que já é tarde. Um beijo a todos, ricos e pobres!